Reorganização societária: efeitos da avaliação a valor justo

A Solução de Consulta nº 415 – Cosit, recém expedida pela Receita Federal no último dia 8 de setembro, chegou à comunidade jurídica como uma das primeiras manifestações do fisco sobre os efeitos da avaliação de ativos a valor justo em situações de reorganização societária. Em suma, a Receita entendeu que os eventos de redução de capital poderão deflagrar a tributação de eventual ganho decorrente desse critério de avaliação, ainda que a devolução do capital seja realizada pelo valor contábil do bem ou direito.

Em breve retrospectiva, há alguns anos o legislador promoveu uma série de alterações para assegurar a convergência das normas contábeis brasileiras às práticas internacionais (“IFRS”). Tais medidas buscaram assegurar uma posição patrimonial e financeira mais realista das empresas, facilitando as avaliações e tomadas de decisões pelos investidores. Para isso, foi necessário alterar a metodologia tradicional de avaliação de certos ativos e passivos das pessoas jurídicas, premissa que fundamentou a introdução dos conceitos de avaliação a valor justo ao ordenamento societário nacional.

Em um primeiro momento, os efeitos da avaliação a valor justo foram submetidos a um regime transitório de absoluta neutralidade fiscal. Esse regime foi encerrado com a Lei 12.973/14, responsável por disciplinar os efeitos fiscais das novas práticas contábeis. Registre-se que, mesmo após a Lei nova, o legislador pareceu buscar preservar o estado de neutralidade temporária em relação à aplicação da avaliação a valor justo, permitindo que o seu impacto na contabilidade fosse controlado em subconta vinculada ao respectivo ativo mensurado pelo seu valor justo, sem que houvesse tributação. Tal posição parecia coerente com o ordenamento tributário e com o conceito de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e proventos.

Relativamente às operações de redução de capital, a legislação faculta ao contribuinte entregar o ativo ao sócio pelo seu valor contábil ou de mercado. Era consenso que, quando realizada pelo valor contábil, não havia discussão sobre a ocorrência de ganho de capital tributável. Esta noção foi colocada em xeque pela Solução de Consulta nº 415/2017.

A Solução parece reconhecer inicialmente que a pessoa jurídica pode transferir ativos aos sócios por meio da devolução de capital tendo como referência o valor contábil do bem ou direito, não gerando ganho de capital tributável. No entanto, a Receita entendeu que, atualmente, o conceito de valor contábil abarca o eventual ganho controlado em subconta decorrente da avaliação a valor justo. Por essa argumentação, e suportando a redução de capital como uma modalidade de realização do ativo ,a Receita conclui que, mesmo quando realizada pelo valor contábil do bem, a redução de capital deflagra a tributação do eventual ganho somente existente na contabilidade relacionado à mensuração do ativo pelo seu valor justo.

Neste aspecto, é preciso reconhecer que ao tratar dos eventos de redução de capital, a legislação tributária limita-se a fazer referência ao valor contábil do ativo, mas sem regular ou expurgar expressamente a eventual influência da avaliação a valor justo em relação ao registro desse valor contábil. Isto é, a posição do Fisco encontra aparente apoio frente a literalidade dos dispositivos que regem os efeitos fiscais da redução de capital.

De outro lado, é essencial notar que a avaliação do valor justo é uma ficção contábil, que não representa efetivo ganho (ou perda) patrimonial. A avaliação a valor justo visa contribuir para a construção de uma posição patrimonial mais fidedigna, expressando a real capacidade de geração de riqueza das empresas. No entanto, esta técnica contábil, enquanto fundamentada em indícios, estimativas e avaliações, reflete uma variação patrimonial apenas potencial.

Notadamente, a legislação ao permitir que a redução de capital fosse realizada pelo valor contábil do ativo, faz referência ao custo incorrido pela pessoa jurídica para aquisição daquele bem ou direito, o que, naturalmente, não compreende o seu valor justo, ainda que pela aplicação das normas contábeis os livros societários da entidade reconheçam esse ativo pelo seu valor justo.

A interpretação da legislação expressa na Solução de Consulta, conduz a tributação de renda meramente expectativa, artificial, não realizada, que não representa a aquisição de riqueza nova. Os efeitos da avaliação a valor justo não representam acréscimo ou perda patrimonial efetiva, e a sua consideração para efeitos tributários na hipótese de redução de capital poderá implicar em violação ao princípio da capacidade contributiva.

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